Fique por dentro do mundo do comércio exterior

Guerra Fria do Comex – Um futuro fragmentado.

Estamos presenciando a guerra fria mais intensa do comércio exterior das últimas décadas, talvez a mais impactante da história recente. EUA e China travam uma disputa pouco silenciosa, feroz, que tem redefinido fluxos globais, políticas tarifárias e cadeias produtivas em escala mundial.

O resultado a curto prazo é uma onda de nacionalismo econômico e um surto de desglobalização tão impulsivo quanto ilusório, afinal, a globalização não é um botão que se desliga. É um processo irreversível, profundamente enraizado nas engrenagens do sistema produtivo mundial.

Não existe romantismo no livre comércio, a globalização e a fluidez logística não trazem consigo estabilidade. A realidade insiste em mostrar que a famosa máxima “estabilidade não existe” é mais atual do que nunca, seja na geopolítica, na economia ou na vida cotidiana. O mundo segue seu fluxo, em permanente movimento, e o sistema econômico também.

Vivemos uma reorganização da ordem internacional: novas disputas, novos conflitos, mais barreiras. É o velho jogo de forças, uma velha roda-gigante, com países gigantes, que moldam seu giro em velocidades e sentidos diferentes, dependendo do tempo, do lugar e da tensão do momento.

O estopim deste novo tempo ocorreu em abril de 2025, quando o presidente dos EUA, Donald Trump, lançou a mais agressiva política tarifária desde de 1930. A ideia de revigorar a indústria americana trouxe prejuízos relevantes à economia dos Estados Unidos na década de 30 e provocou mudanças estruturais na política comercial de diversas potências globais.

Atualmente, os Estados Unidos adotam o que se convencionou chamar de friend-shoring, uma reorganização das cadeias de suprimentos priorizando países aliados. A lógica é evitar dependência de adversários geopolíticos e reduzir riscos estratégicos em setores-chave como alimentos, energia, tecnologia e medicamentos. Trata-se de um movimento que combina pragmatismo econômico com alinhamento político.

De imediato, o reflexo no Brasil mais famoso é o caso da soja. Com a intensificação da guerra tarifária, os preços dispararam, impulsionados por uma demanda recorde da China. Só nesta semana, 52 navios foram contratados pelos chineses para carregar soja, uma marca histórica, com a esmagadora maioria partindo do Brasil. É a geopolítica moldando o comércio em tempo real.

Independentemente de onde partem, as sanções que observamos neste cenário se apresentam como uma ferramenta de tentativa de dominação, empregando restrições financeiras e exclusão de sistemas de pagamento, através de bloqueios tecnológicos. O objetivo é enfraquecer países rivais e forçar a adaptação de comportamento, colocando-os à reféns das estratégias de quem impõe essas barreiras.

As tecnologias que agora definem a disputa pelo domínio tecnológico incluem semicondutores, 5G, 6G e inteligência artificial. A economia global está cada vez mais conectada por redes digitais, financeiras e logísticas. O controle de redes, como o SWIFT, provedores em nuvem e chips detém o poder de usá-los como uma arma de coerção, podendo excluir outras nações e diversos setores. É o conceito conhecido como interdependência armada.

Neste sentido, há tempos a China tem avançado com sua moeda digital, o RMB, agora integrando-a a sistemas de pagamento em 10 países do sudeste asiático (ASEAN) e 6 do Oriente Médio. Com isso, movimenta quase 40% do comércio global, fora do SWIFT e sem depender do dólar. China, Rússia, Irã e outros têm criado alternativas, desenvolvendo sistemas financeiros que não dependem da moeda americana. Essas ações refletem a busca por maior autonomia e a tentativa de construção de um novo ordenamento global.

A guerra fria tarifária entre EUA e China reforça a rivalidade econômica entre as duas maiores potências do mundo, e resulta em uma fragmentação crescente da economia internacional. O receio vai além dos impactos profundos na política e na economia, ele atinge, principalmente, a segurança mundial.

A tendência é de continuidade da disputa, com um foco cada vez maior em tecnologia e segurança nacional, o que tende a intensificar essa fragmentação do comércio global e acelerar a regionalização das cadeias produtivas.

Embora uma guerra mundial clássica pareça improvável a curto prazo, o mundo segue uma linha tênue, marcada por conflitos descentralizados e estratégicos. O comércio exterior entra em uma era de alta imprevisibilidade, marcada por rupturas nas cadeias globais e decisões guiadas não mais por regras comuns. Em um cenário tão volátil, a vigilância constante e a diplomacia se tornam ainda mais essenciais.

Barreiras comerciais mais altas freiam o crescimento global. Sufocam o livre comércio e alimentam um ciclo de incerteza e inflação. Em tempos assim, a bússola do comércio perde o norte. Mas é na reinvenção das rotas que surgem as novas oportunidades.

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