Fique por dentro do mundo do comércio exterior

50 tons de vermelho no comércio exterior

Renan Diez (*)

Se a cor vermelha, geralmente, pode ser associada a sentimentos de amor e paixão, no comércio exterior, ela costuma ser sinônimo de preocupação e prejuízos. O ano de 2024 iniciou com um conflito que tem se arrastado e gerado ainda mais apreensão nos últimos dias, os ataques contra navios contêineres no Mar Vermelho e sua escalada iminente.

O canal vermelho nas parametrizações sempre assustou os importadores e exportadores. Seu tempo de resolução e as eventuais multas aplicadas podem também comprometer a operação na questão financeira, ou seja, saldo negativo, cor vermelha novamente, fazendo dobradinha com clientes vermelhos de raiva e irritação.

A ansiedade na questão das parametrizações parece pequena agora, diante de um tom de vermelho muito mais grave, doloroso e devastador, o vermelho sangue. O que antes era uma crise no mercado mundial decorrente do conflito no Mar Vermelho, pode, agora, gerar impactos de maior proporção, no comércio exterior e, claro, muito além disso.

O Mar Vermelho tem sido palco de um conflito armado desde novembro de 2023 e teve seu início marcado pelo resultado do duelo entre as forças de Israel e o movimento Palestino Hamas. Em consequência, apoiados pelo Irã, os Houthis que constituem uma milícia que controla a maior parte do território iemenita, tem lançado os ataques, a partir do Iémen, contra navios contêineres que navegam sob o estreito de Bab-el-Mandeb, conhecido como “A porta das lágrimas”, onde rebeldes Xiitas têm atacado e sequestrado navios, afetando fortemente o comércio exterior mundial.

Não é surpresa, portanto, o novo patamar no custo do frete internacional marítimo. O corredor do Mar Vermelho transporta cerca de um quarto de todo o comércio marítimo mundial. Em janeiro deste ano, já havia sido notado um aumento batendo os 171%, agora, por exemplo, em abril, já visualizamos o preço deste transporte triplicado, ou até superior em algumas rotas específicas.

A explicação é simples, da Ásia até a Europa, usando o Mar Vermelho e o Canal de Suez, falamos em 10.000 milhas náuticas, cerca de 18.520km, com uma viagem de 25 dias. A rota alternativa deste transporte marítimo, a fim de evitar o Mar Vermelho, é contornando o Cabo da Boa Esperança, no sul do continente Africano. Aqui temos 13.500 milhas náuticas, aproximadamente 25.000km e 34 dias de viagem.

Numa análise simplista, pode surgir o questionamento do motivo do aumento dos fretes para o Brasil e América do Sul, já que alguns navios não se utilizam desta rota via Mar Vermelho, portanto, não haveria mudanças. No entanto, as companhias marítimas estão utilizando seus maiores navios para privilegiar o mercado Europeu, e a consequência disso é que os menores destinados para a América do Sul, com menos contêineres, justificam também por isso, um aumento no custo.

No caso de um conflito restrito ao Mar Vermelho, poderíamos arriscar dizer que a situação seria, em si, menos perturbadora e menos impactante ao comércio exterior mundial, quando comparada a crise nas cadeias de abastecimento durante a pandemia da Covid-19.

No entanto, tal conflito parece ganhar forte escalada com as tensões aumentadas entre Israel e Irã. No início do mês Israel atacou a embaixada do Irã na Síria, possivelmente o ataque mais sério desde o começo da crise no Oriente Médio. O revide veio neste sábado, dia 13. Segundo o exército de Israel, mais de 100 drones, além de mísseis foram disparados contra o país, que alega ter interceptado 99% dos ataques.

A análise global antes do aumento da tensão mostrava que diferentemente da crise ocorrida na pandemia, agora não há preocupação com escassez de abastecimento, evidenciada pela ausência de problemas com chips para produção de bens, ou por falta de embalagens, justificada também pela baixa na procura, já que o comércio global está em recessão.

Os problemas seriam, principalmente, os efeitos indiretos, como os custos mais elevados de energia ou os atrasos nas entregas, mas, de certa forma, o custo do frete tem impacto ainda pequeno nessa análise comparativa.

Agora, a situação é mais delicada, e podemos ter mudanças substanciais nesse cenário, haja vista a imprevisibilidade da escalada do conflito. Em curto prazo, já se fala em alta na cotação do petróleo e uma já observada valorização do dólar.

A atenção especial deve ficar nos mercados de energia, alimentos e, também, na relação entre os países e suas posições políticas sobre o conflito, que podem ditar e afetar direta ou indiretamente suas relações de consumo no mercado internacional.

A cor vermelha, com sua dualidade de significados, espelha a complexidade das relações mundiais. Símbolo universal de amor e paixão, pode refletir alianças e cooperação entre nações. Já foi dito, inclusive, que vermelho é a cor por excelência, a primeira de todas as cores. Por outro lado, vermelho também evoca raiva e sangue, simboliza tensões, conflitos e guerras entre países.

O vermelho e suas nuances e contradições onde amor e ódio coexistem, é o reflexo da humanidade, a busca pela paz através de guerras. O nosso tão amado comércio exterior fica em segundo plano.

(*) Renan Diez é Diretor na Intervip Comércio Exterior

Está gostando do conteúdo ? Compartilhe!

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on telegram